domingo, 11 de maio de 2008

Inocentes

Não me manifestei até o momento sobre o caso Isabella Nardoni por dois motivos: o primeiro é que um acontecimento de proporção nacional talvez não devesse ser destrinchado em jornais de circulação local, quando existem tantos assuntos para serem explorados por nossos pequenos espaços semanais. Mas já que outros colegas já desembarcaram neste território, aceito a pecha de “maria-vai-com-as-outras”. O outro motivo é que eu não queria ser responsável por nenhuma declaração que pudesse reforçar injustiças e preconceitos. Por isso agora uso meu espaço para afirmar: Isabella não foi assassinada pelo pai e pela madrasta. Tenho a certeza que foi uma terceira pessoa que praticou aquela monstruosidade. Não tenho dúvida disso. E me valho da condição de pai para defender minhas convicções.
Um pai não cometeria tal atrocidade. Um pai seria incapaz sequer de planejar tão horrendo fim para sua descendência. Os pais estão preparados para enfrentar as adversidades da vida somente para defender sua prole. E isso, não se engane, não é condição imposta pela sociedade ou por princípios morais. Isso é imposição da natureza, que assim garante a perpetuação da espécie.
Eu costumo imaginar a nossa mente como uma grande mesa telefônica, igual àquelas de antigamente, que eram comandadas habilmente pelas telefonistas. Cada ação ou reação depende das ligações e encaixes dos plugues. Se uma dessas conexões é mal encaixada, ou ligada no lugar errado, pode gerar conseqüências danosas ao nosso comportamento. E existe lá na nossa cabeça, um terminalzinho que envia a informação de que temos que agir como pais, como protetores de nossas crias. Só que depois que este comando é enviado ao nosso cérebro, não tem mais como desligá-lo.
Talvez você conheça este comando pela desgastada gíria “a ficha caiu”. E é assim mesmo. Depois que a ficha cai, temos certeza de que o que queremos para nós não tem nada a ver com a gente, mas com nossos filhos. Eles são a verdadeira razão da nossa existência. E é essa convicção (repito!) que me faz afirmar que não foi o pai de Isabella Nardoni que cometeu tamanha violência. Pelo bem de nossos filhos e pela imagem que quero que continue em suas mentes, tenho que acreditar e propagar esta tese.
O que tem me impressionado nesta história toda, também, que vem me atormentando neste dias de grandes coberturas televisivas é que ninguém, em nenhum momento parece ter declarado seu amor pela menina. Puxe pela lembrança. O que as pessoas falam a respeito da pobre Isabella é que ela era um doce de criança, uma “mocinha”, muito educada, atenciosa com o pai, a madrasta e os irmãozinhos. E quando falam da relação de perda, lembram sempre que ele era um tesouro, que o mundo sem ela havia acabado, desmoronado, que o futuro não tem mais sentido. Mas o que se vê é um casal assustado com seu futuro, e uma mãe que parece ter encontrado conforto posando de celebridade.
Nenhuma palavra sobre amor. Sobre amor verdadeiro, maternal, paternal. Aquele amor que temos por alguém que saiu de dentro de nós, que é sangue do nosso sangue. E no fundo, o que a Isabela queria era somente isso: ser amada. Uma criança dividida, que tinha sua condição de filha subornada com quartos cor-de-rosa, brinquedos, finais de semana em festa, com os meio-irmãos, quem sabe, moeda de troca nestas relações doentias deste triângulo pai, mãe e madrasta. Por isso a referência a ela, talvez como um tesouro. Algo que tinha preço, numa sociedade de consumo que determina o valor das coisas. E o que ela queria, talvez fosse algo inegociável: amor.
Coluna publicada em 26 de abril de 2008.

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