domingo, 11 de maio de 2008

Na tampinha

Deve estar perto de completar uma década a decisão da sociedade civil organizada de acabar com os anúncios de cigarro nos meios de comunicação. Hoje publicidade de produtos da indústria do tabaco, acredito que só dentro dos estabelecimentos comerciais que vendem cigarros, e ainda assim discretamente. Afirmam os entendidos que é pra não incentivar as pessoas a iniciarem no vício e não estimular os que ainda resistem no hábito. Mas algumas pesquisas apontam que o vício do cigarro não reduziu tanto assim e que agora as mulheres é que compõem a maior parte do exército de fumantes no país. Fazer o quê.
Lendo artigos sobre o fumo, lembrei dos grandes comerciais que foram banidos de nosso dia a dia e que as empresas fumageiras produziam. Eram comerciais caríssimos e, conseqüentemente, belíssimos. Altos investimentos que só mesmo as milionárias companhias poderiam bancar. Mas os entendidos diziam que aqueles carrões, barcos, modelos estonteantes e roteiros de aventuras, iludiam o consumidor que fumava com uma falsa sensação de poder e sucesso, e isso influenciava também as crianças, induzindo-as às experiências com o fumo. Adoraria pilotar uma Ferrari, mas duvido que o proprietário deste esse ícone do automobilismo mundial permitisse que alguém deixasse seu brinquedo com cheiro de cigarro.
Cresci num ambiente onde tudo poderia me transformar num adulto fumante. Além dos comerciais de tevê que poderiam me influenciar, meu pai fumava, minha mãe fumava, minha irmã também fumava, muitos amigos fumavam, enfim. E tínhamos em casa uma quantidade enorme de cigarros, afinal éramos comerciantes. Tinha acesso às mais variadas marcas, dos sem filtro, os mata-ratos, até os “fliptop”, aquelas caixinhas bonitas que segundo os fumantes, eram péssimas pra guardar no bolso. Mas nunca fumei. Jamais coloquei um cigarro na boca, nem de brincadeira, ou pra experimentar – a famosa “pitadinha”. Não fui influenciado pelo meio, pela publicidade, pela família ou pelo grupo social. Escapei do mal que afligia o sistema nacional de saúde.
Agora, enquanto nosso país se debate por causa da tragédia diária do trânsito, que se discute se é possível reverter esse quadro avassalador de mortes, de pessoas tendo suas vidas ceifadas em números comparáveis com guerras, adivinhem quem são os maiores anunciantes nas mídias de cobertura nacional? A indústria cervejeira. Grandes produções, boazudas, “zecas pilequinhos”, bom humor, gente feliz, tudo pra criar a mesma sensação que os comerciais banidos dos vendedores de cigarro prometiam: uma vida mais “legal”!
Enquanto isso, nossos jovens se matam nas estradas, com garrafas e latinhas compondo o quadro horripilante que nossos telejornais nos mostram diariamente. Já notou que muitas vezes a chamada para o próximo bloco de terror é minimizada exatamente pela peça publicitária da bebida preferida do brasileiro. E ninguém acha isso um absurdo! Ninguém reclama, nossa sociedade faz passeatas pelo fim da violência no trânsito, cria ONG’s, pinta borboletas no asfalto, pede pros jovens beberem menos, não misturar bebida com direção, mas ninguém tem coragem de dizer: Não beba! Pare de beber! Isso ninguém faz, porque beber é um hábito social tolerado. Perpetuado de pai para filho. Incentivado no churrasquinho de domingo, na reunião de família. Enquanto isso nossos jovens e nossa indústria cervejeira batem recordes de consumo e produção. E a sociedade assiste tudo calada, condescendente. Pelo jeito não mudaremos esta realidade tão cedo. No final de tudo fica uma pergunta: alguém tem duas tampinhas da Carol pra trocar?
Xandão
Foi pouco tempo de convívio, algo em torno de seis meses, mas foi o bastante para conhecer os planos e projetos que o Alexandre Meira, o Xandão estava traçando para o seu futuro e da Volta da Figueira, a supercampeã do carnaval de Viamão. A volta da Figueira ao carnaval tem muito do trabalho do Xandão que junto com o Vanderlei, o Pedrinho e o Leandrinho, apresentaram um belo espetáculo no retorno à avenida e projetávamos um excelente desfile para 2009. Nas várias vezes que conversamos sobre a realidade do carnaval, vi no presidente da Figueira a capacidade de mudar esta situação. Volta e meia conversamos com alguns presidentes de outras entidades do carnaval e percebo certa resistência às idéias novas que possam fazer nosso carnaval crescer. Com o Xandão era diferente. Estava aberto à modernidade e enxergava na Volta da Figueira a porta de entrada para um novo jeito de pensar carnaval em Viamão.
Por isso nos foi tão dolorida a notícia de sua morte. Xandão tinha uma imensa vontade de fazer a diferença pelo futuro de Viamão, e seus amigos não deixarão que seu sonho acabe com seu desaparecimento. Vamos continuar lutando para que nossa condição seja melhor no futuro e perdemos um grande lutador. Não perdeu só a família. Ficou órfã também a cultura viamonense. Fica com Deus, amigo.
Coluna publicada em o de março de 2008.

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